sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O sem-sentido dos sentidos


(sim, meus poucos leitores, sou uma camaleoa! Perdoe-me se não avisei antes)

Tem dias que a noite é uma merda; passa-se a noite derramando rios, mesmo tomando analgésicos, como, por exemplo, ver Catherine Deneuve levando chicotadas na Bela da tarde às cinco da manhã. E lá se vão 48 horas sem dormir, até que se dorme, pronto, simples, fácil, no meio de uma frase de um conto do Machado, dorme-se, sonha, acorda-se para fazer xixi e descobre-se que sonhou; e o sonho nem era ruim, e dorme-se de novo e acorda-se com o interfone tocando. Dia novinho.

Aí pare o mundo, parem as lágrimas que já secaram ontem, que o carteiro está dizendo que meus cds chegaram; agora eu vou ouvir músicas novas, de músicos que eu nunca ouvi, e escolhi quando já estava sozinha – quando ela via um filme porcaria, quando ele jogava xadrez –, e são cds do cacete; um mais bacana que o outro; e deliro imaginando-me com vários ouvidos ao mesmo tempo. Por que tenho apenas dois ouvidos e eles funcionam tão mal? Tem nada não, prego o ouvido na vitrola, deitada no chão, e ensaio uns passos e danço sozinha. sozinhasozinhasozinha; muito bem acompanhada.

Você lembra, Milena, quando voltou de Paris, aquela sensação de vazio na cidade de São Paulo? Lembra que chorou muito mordendo o seu lençol como você sempre faz quando se deita? Lembra que você dizia a si mesma que não tinha problema chorar nem doer por que você sabia que iria passar? Lembra que você sabia que a cidade te acolheria mais cedo ou mais tarde? – Lembra, lembra, sim. Então agora porque agora está agora com medo agora que agora vai ser agora diferente agora? Que se foda todo o resto. Porque o resto importa muito, mas você vai saber cuidar de tudo, mesmo quando não souber. Quando tudo virar a mesmice de sempre, você vai olhar para o espelho – que ainda não tem na sua nova casa – e te ver cheia de rugas e mesmo assim achar que ainda pode desviar o caminho. Porque você sabe do caminho, sabe que quer um caminho; sabe que são caminhos. E vai andar o mundo todo para não deixar que nada fique vão. E vai saber parar também. Vai saber ficar. Que se foda todo o resto, porque hoje chutei livros tão desesperados quanto eu, e vi Sean Penn; aquele que deu umas porradas na Madonna e ninguém mais lembra, porque ele é um puta de ator fodido, cheio de verdade, cheio de sangue em todas as veias. Porque hoje lembrei de todas as porradas; e achei que tudo tinha que ser assim mesmo.

A Terra vermelha deixa ainda mais visiveis as latas demais espalhadas na nova mesa de vidro.

E por favor, não confundam, tudo isso é uma tentativa de fazer literatura. Porque o que gosto mesmo é de os dias correndo tranqüilo, sob controle, desde que seja ao som de arnaldo antunes, este loucomalucobelezadoséculovinteeum onde-não-se-acredita-em-nada-mais; que deve ah que deve... E é isso que quero: nada certo demais, nada que me exija demais, nada que queira arrancar de mim o que eu não tenho nem estou a fim de ter; carteira assinada; protocolo. Estou casada há quatorze anos com aquele que já me separei há quatorze anos. E sempre achei que ele era muito foda e continua sendo todo puro, todo louco, todo entregue inteiro; e sorrio toda pensando que a sua menina linda é cheia de sorte; que ele vai marcá-la, vai arrancar a paz dela, vai fazê-la sofrer, mas ela vai saber que amor é isto; que amor pode matar e, sim, morrer de amor bem pode ser o ponto alto da vida. E depois da morte vem a vida toda pela frente. E é isto que é a vida; é assim que vale a penar estar na vida: uma grande fantasia de pierrot. E no próximo carnaval eu vou poder beijar todas as bocas; na próxima viagem também vou poder beijar todas as bocas. Desde que eu queira. Não vou querer, mas vou poder. E é assim que é bom. E a vida vai se misturar com a literatura tosca que agora tento escrever com todas as latas espalhadas na minha nova vida de vidro.
Categories:

4 Palavrinhas:

Unknown disse...

Me lembro o tal de Fernando António...Aquele que era ele e era outros. Saudade danada de você, senhorita júlia.



Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto


Beijo.

Cristina Soares disse...

Oi, Milena !!! MAs como vc é astuta !!! E como pescou rapidinho que Cris Madame era nada mais nada menos do que dona Ex-Fictícia ?? Seja bem vinda neste novo blog, agora com uma nova pessoa (porém o mesmo jeito de escrever, como pode isso ??) A essência não muda ! Mudam-se os nomes, os desenhos, os endereços... mas nossa essência permanece !!!! beijoca !!!!

Anônimo disse...

Milena, só li seu recado hoje (04/08). Primeiro, não acho que você "deve se matar na próxima curva"(rs). Eu gostei do que li, embora não saiba dizer o porquê. E essa é a segunda coisa: precisaria ler mais dessa sua "guinada" literária para achar a razão do meu agrado (você sabe que tenho uma necessidade analítica e explicativa irritante). Estou relendo e relendo o O sem-sentido dos sentidos; quando achar o "veio", te comunico sem falta. Mas queria ler outras postagens desse seu lado "mais artista". E estou "terminando" a sua tese; ela está dividindo minha atenção com outras leituras, mas finalizo breve, breve. Um abraço.

Algumas coisinhas da Jéssica disse...

Oi, Milena!
Vim retribuir a visita e gostei de muitas coisas!
Primeiro quero fazer uma pergunta:"Que modelo de blog é esse vermelho????" Eu amo vermelho!!!!! Queria que meu blog fosse vermelho mais não achei... Quero copiar esse seu modelo, pode?
Depois, gostei muito do seu jeito de escrever, bem escorpiônico! (rs,rs)
Além do signo, temos várias coisas em comum: Nelson Rodrigues, Machado de Assis, Clarice Lispector,...
Voltarei mais vezes.
Beijinho,
Jéssica.