terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A definição


Eu tenho uma certa inveja de quem sabe definir; ainda mais se for uma definição exata, em que tudo parece estar no lugar e nada escapulir ou faltar. É claro que só temos inveja do que nós mesmos não sabemos. Eu sou muito ruim em definições, em conceitos. Às vezes, mordo os lábios atrás de algum conceito estudado - e logo esquecido.

Qualquer livro de Octavio Paz, o teórico-poeta por excelência, causaria inveja não apenas em quem tem inveja de criadores de conceitos ou escrevinhadores de definições. Todos os seus livros são bem escritos. E não apenas isto. Em todos os seus livros, pulsa um conhecimento que é já sabedoria.

Não é diferente em Marcel Duchamp ou o castelo da pureza, livrinho que reúne seus dois ensaios sobre este artista. Delicia de ler; delícia de aprender. E abaixo, a tal definição que me deixou boquiaberta. A de ready made:


"Os ready-made são objetos anônimos que o gesto gratuito do artista, pelo único fato de escolhê-los, converte em obra de arte".


Perfeito, não? Ele continua:


"Ao mesmo tempo esse gesto dissolve a noção de obra. A contradição é a essência do ato; é o equivalente plástico do jogo de palavras: este destrói o significado, aquele a idéia de valor. Os ready-made não são antiarte, como tantas criações do expressionismo, mas a-Rtísticos. A abundância de comentários sobre o seu sentido - alguns sem dúvida terão provocado o riso de Duchamp - revela que o seu interesse não é plástico, mas crítico ou filosófico. Seria estúpido discutir sobre a sua beleza ou feiúra, tanto porque estão mais além da beleza e da feiura como porque não são obras mas signos de interrogação ou de negação diante das obras. O ready-made não postula um valor novo: é um dardo contra o que chamamos valioso. É crítica ativa: um pontapé contra a obra de arte sentada em seu pedestal de adjetivos. A ação crítica se desdobra em dois momentos. O primeiro é de ordem higiênica, um asseio intelectual: o ready-made é uma crítica do gosto; o segundo é um ataque à noção de obra de arte".

In: PAZ, Octavio. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. Tradução: Sebastião Uchôa Leite. São Paulo: Perspectiva, 2007.
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2 Palavrinhas:

Cristina Soares disse...

Asseio intelectual ?Amiga, vc merece uma cadeira na Academia das Letras. Como vai a vida ?? E os amores das entrelinhas ?? e das estrelinhas ?? Um abraço

Fabiano Rabelo disse...

a arte está impressa em mim, não que eu vá continuar uma vida de artista, não sei, mas que é com arte que eu vou trabalhar pro resto da vida, nem que seja eternamente como colaborador, isso eu sei.
enfim, as suas questões me levantam algumas outras; é a arte que precisa do crítico, ou o crítico precisa da arte? e mais; estudamos arte por amor a ela, ou por frieza? conhecer a obra de um artista é conhecer o artista?
tô parecendo criança perguntando pra mãe porque céu é azul, e porque a lua é branca... hihihi...é melhor parar por aqui!
beijos e beijos querida!