sexta-feira, 10 de abril de 2009

Reflexões para nada

Halem, ao comentar que o mundo das artes está muito distante da maioria das pessoas, me fez lembrar da minha reação ao ver a exposição de Farnese de Andrade, no CCBB-SP. De tão impressionada com o que vi, veio-me uma revolta por nunca ter ouvido falar de Farnese. Eu perguntava: "como temos um artista brasileiro como este e ele é praticamente desconhecido?". Infelizmente, este desconhecimento não diz respeito apenas às artes plásticas. Eu e Mari sempre comentávamos, observando nossos amigos e conhecidos de doutorado, que a Universidade gerava conhecimentos específicos, mas não gerava apreciadores de cultura letrada. Ou gerava muito pouco. Em cursos como os de Linguística e de Literatura, parecia-nos surpreendente que houvesse tão poucas pessoas interessadas no caldo cultural que estas áreas parecem trazer na sua essência. Concluíamos que isto é resultado da nossa educação, sempre tão tacanha em relação a tudo isso. Professores não podem nos dar o que eles não carregam consigo: o apreço por uma boa música, um bom filme, um bom livro. Uma boa parte é consumidor apenas de novelas e de livros de autoajuda. Não que isto seja errado, mas é muito pouco diante do que temos diante de nós quando nos interessamos por outras "inutilidades", como costumo chamar ironicamente.
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Com os hormônios de grávida a todo vapor, dias desses, em uma das minhas aulas, tive um rompante de ira. Uma ira controlada 24 horas atrás das palavras certas para expressá-la. Só quem dá as literaturas iniciais em um curso de Letras, numa cidade com uma monocultura como a que trabalho em que não há nada além do que o interesse pela música brega, pode saber o quão é difícil chamar a atenção dos alunos. Para mostrar-lhes que Chico é "trovador moderno", que sua música deve muito à cultura portuguesa, levei um DVD com ele andando pelas ruas de Lisboa e falando sobre a relação literatura-música. Enquanto o DVD rolava, era nítido o desinteresse da maioria dos alunos. Foi a gota d'água. Que não prestem atenção nas minhas aulas falando de poesia trovadoresca, vá lá, é até compreensível! Mas que não tenham apreço por uma belezura assim (nem que seja pelos olhos do Chico!!!) me pareceu incompreensível. Os hormônios encontraram a seguinte saída: disse-lhes que a partir daquele dia eles tinham presença garantida nas minhas aulas para me evitarem o dissabor de ter que presenciar tanto desinteresse. Acrescentei também que não tinha problema com quem não sabia, mas que tinha enorme problema com quem não queria saber, pois eu não sabia muita coisa, mas sentia enorme vontade de saber; que mesmo em uma cidade com tão poucas atividades culturais, eu estava sempre procurando o que fazer, senão eu começava a me sentir uma ameba - ou pior, uma vaca pastando. A "ameba" e a "vaca", embora possam parecer palavras advindas dos hormônios, não o são. Eu sempre pensei que é para fugir da mesmice que nascemos gente. Senão poderíamos ser ameba, vaca, um bicho qualquer, que, a nossos olhos, fazem sempre o mesmo.
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No entanto, depois de todo desabafo, sempre procuramos apaziguar nossa decepção em relação a nós mesmas - que não conseguimos incentivar de maneira eficaz - e em relação ao outro, que está cagando e andando para esta tal educação humanista que insistimos em acreditar que vale para algo. E me vem a certeza de que este despreparo todo que o aluno leva para o ensino superior não é culpa deles. Voilá! Falemos em "sistema", mas não como algo abstrato, mas como algo pulsante que reproduz incompetências em todos os âmbitos. Ou alguém acredita que estes alunos, daqui a 2, 3 anos estarão preparados para irem à sala de aula ensinarem língua portuguesa e literatura as nossas crianças? E a crianças de amanhã? este círculo vicioso é o que me espanta e me choca. Quem escapa dele?
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4 Palavrinhas:

Cristina Soares disse...

Esperança é um tom que eu tenho em mim... (essa frase é da música Sonhos !!). Não há nada mais frustrante que um bando de alunos que não conseguem partilhar um mínimo da nossa paixão !! Beijo, amiga !

Anônimo disse...

Milena, dias atrás vivi experiência parecida numa disciplina da graduação em Biblioteconomia e que tenta insistir nessa formação humanista (uma das únicas, aliás, presente no currículo). Disciplina que, apesar do esforço da professora, só provoca bocejo na maioria dos alunos, mais interessados nas "tecnologias" da vida e mais empobrecidos, artística e espiritualmente...

Arte afastada das pessoas... Falo por experiência própria (e com certa vergonha): só entrei em um museu depois dos 20 anos de idade; não me lembro da última vez em que fui ao teatro. Resultado do nosso "sistema" educacional? Acho que sim. Mas também resultado da nossa miséria financeira, que nos obriga a escolher entre comprar um bom CD ou um bom livro, ou pagar mais uma prestação.

Sobre esse cículo vicioso que você menciona, sou muito pessimista. Você já reparou que os alunos que buscam os cursos de licenciatura são, em boa parte, os menos brilhantes intelectualmente falando? Sei que posso estar sendo leviano (e pior, preconceituoso) nessa generalização, mas não consigo deixar de ter essa impressão.

Gostei dessa discussão proposta na postagem. Um abraço.

Unknown disse...

Bom...Não dou aula em licenciaturas em geral...nem nas humanidades, mas, sabem, minha esperança, o que sempre me moveu nestes já 15 anos em que dou aulas é a esperança de salvar um ou dois por ano...é ver aqueles olhos brilhando de compreensão no fundo da sala...Estabelecer conexões e diálogos...queria que essa quantidade de gente fosse maior...mas acho que é só isso que temos.

nilza disse...

A parte que nos toca é plantar a semente,o resto pertence ao universo,regar cuidar,para que nasça um linda flor.Muitas vezes não chegamos a ver a flor se abrindo ,mas o fato de ter semeado nos traz uma grande paz de espirito.faça sua parte ,conte que a beleza existe e cada um que a procure,bjs