terça-feira, 18 de maio de 2010

Sobre a perda de tempo

Eu falava de perder tempo - e da necessidade de perder tempo. Eu sou muito agitada. Já acordo dobrando o lençol. E todos os dias, passo ao menos uma hora num frenesi doméstico. No entanto, nestes dias, observando outras pessoas, percebi que sei perder tempo. Para ouvir o outro, para ver o outro, para sentir o outro.
.
Hoje, qualquer coisa que dure mais de meia hora já deixa as pessoas em estado de frenesi. Eu sinto a impaciência rondando por todos os lados. Ontem, pessoa linda, e mesmo assim me perguntou: "vamos ver tudo?". Como se só houvesse tempo para a metade. Sim! O todo é tão legal. Marisa Monte diz que não deixa fazer coletânea dos seus discos porque cada um tem sua concepção e que, por isso, só deveriam ser apreciado no seu todo... Sei o quanto isso soa démodé.
.
Como é que chegamos neste estado nervoso das coisas? Nesta onda de querer falar, de querer saber, sem dar o tempo? É esquisito. Eu sinto pudores. Fico nervosa quando me pedem para falar sobre algo, mesmo que eu já o tenha visto várias vezes. Sempre penso que, lesada, deixei passar os pontos essenciais e que é preciso ver um pouco mais, perder um pouco mais de tempo com aquilo.
.
Lembro de uma conversa que tive com uma amiga na Tate Gallery. Estávamos com outro amigo e, diante daquelas várias exposições, ficamos um tempão na de Kandinsky, no fundo com um pouco de pesar por não termos mais tempo e disposição para as outras. Já sentadas, exaustas, nosso amigo finalmente se dispõs a ir vê-la. Quando ele saiu, ela, que tem uma lentidão toda especial no olhar, me falou: "Quer apostar quanto que ele voltará daqui a cinco minutos e falará como se tivesse visto tudo com a maior atenção do mundo?". Dito e feito, ele voltou e foi logo dizendo: "é a melhor exposição de Kandinsky que eu já vi!" 
.
Com pesar, eu tenho achado que o mundo todo decidiu que ver é só passar os olhos e, em seguida, criar o discurso do já-visto. Pena.
.
.
Categories:

0 Palavrinhas: