domingo, 21 de setembro de 2008

a cidade invisível

trazemos as nossas cidades não apenas em nossa memória. elas acabam sendo parte do nosso corpo. é o que acho. trago algumas cidades dentro de mim. coladas em mim a ponto de se confundirem comigo. iracema paris são paulo natal. em natal passei uma das noites mais tristes da minha vida. só mais duas me tatuaram daquela maneira. e para um ser notívago como eu, isso não me parece pouco. a única noite em que eu senti vontade de morrer. e a real certeza de que bastariam uns passos mar adentro para que o desejo estivesse em minha mão. foi uma das minhas sensações mais doloridas. nunca, em nenhum outro momento, senti-me tão próxima do outro lado. mas eu não dei o passo mar adentro. nem mesmo tive coragem de me banhar de escuridão. acabei passando boa parte da noite no alto de uma duna. e esta duna não existe mais. andando pela beira mar de ponta negra eu vi que a minha natal era agora uma cidade invisível. senti um desamparo medonho. aquela ponta de mar era realmente linda. uma área urbana quase deserta, com dunas, morros, vegetações, pouquíssimas casas e bares. agora, é uma orla urbana como qualquer outra. fortaleza, recife, joão pessoa; todas carregam um ar decadente de placas indicando "impróprio para banho", além do cheiro de mijo, bares suspeitos e um ar de promiscuidade que nada tem a ver com a leveza dos surfistas e dos malucos misturando cheiros de erva com cheiros de mar. nada contra o desenvolvimento, as mudanças, mas tudo contra uma politicagem filha da puta que deixa vencer a especulação imobiliária e leis suspeitíssimas de incentivo ao turismo que metem um calçadão que vira mercado livre a céu aberto a dois passos do mar. talvez só um mar de revolta para tragar tanta sujeirada. senti como se um pedaço de meu corpo estivesse entregue aos abutres. mais calma, depois de muito contemplar o que não existe mais, guardei nas minhas vísceras a minha cidade invisível. trouxe até a mim tudo. e deixei muita gente passar por mim no fim de tarde. o que não pude abandonar foi a tristeza de imaginar que as pessoas que passavam não viam o que eu já tinha visto. não andavam por onde eu já tinha andado. alguém pode querer descer mar adentro, mas nunca mais naquela duna, naquele trecho, naquele ponta. talvez seja saudosismo, mas mil vezes aquela duna que agora habita só em mim do que a esterilidade dos arranha-céus a manchar a paisagem da única noite em que quis morrer. e para um ser notívago como eu, isso não é pouco. não é pouco todas as vísceras com desejo de mar.
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1 Palavrinhas:

Rubiane disse...

Mi,

Talvez hoje essa música seja só sua

Rubi


In My Life
Beatles


There are places I´ll remember
All my life, though some have changed,
Some forever, not for better,
Some have gone and some remain.
All these places had their moments,
With lover and friends I still can recall,
Some are dead and some are living,
Alguns morreram e outros ainda estão vivendo,
In my life I´ve loved them all.
But of all these friends and lovers,
There is no one compared with you,
And these mem´ries lose their meaning
When I think of love as something new.
Though I Know I´ll never lose affection
For people and things that went before,
I know I´ll often stop and think about them,
In my life I´ll love you more.
Thought I know I´ll never lose affection
For people and things that went before,
I know I’ll often stop and think about them
In my life I´ll love you more.
In my life I´ll love you more.