sexta-feira, 7 de novembro de 2008

26 de outubro: abertura da bienal de São Paulo

Sendo mais Duchamp do que Leonardo da Vinci, museu D’orsay do que Louvre, mais Ernesto Netto do que Beatriz Milhazes, nada mais apropriado do que ir a Bienal no dia do aniversário. Ou isto ou não ir mais. Dia seguinte, voltar para casa. Tarde perambulando sozinha. Paredes do estômago se encontrando. Ânsia aqui e acolá. Ressaca dos diabos. Uma bienal feita não para meu gosto “avançadinho”, mas para meu estômago bebedor de coca-cola e cerveja. A Bienal do vazio. Uma aposta radical derivada dos tempos de crise. Uma aposta crítica::: combater a idéia de Bienal dentro da própria Bienal. Nada daquele frenesi, daquele amontoado de obras. O entulho engolido. O segundo pavilhão inteiro ao nosso dispor. Sentar. Deitar. Checar a máquina. Olhar o menino que corre. Desejar. Lembrar. Morrer um pouco. Observar aquelas curvas. Sentir a falta das paredes. O projeto moderno faliu de vez? Mas o vazio já não era uma proposta moderna? A arte acabou. Viva a arte. O vazio cheio de sentidos. Os parques de diversão entregues ao alarido do silêncio. Vem um homem e os fotografa mundo afora. Fácil? Fácil. Porém, corajoso. Não que a Bienal mostre o que seja a arte “hoje”. Ela escolheu um braço, abriu um hiato e tornou tudo intimista, pessoal, subjetivo, confessional, monocromático como os suportes de madeira que sustentam os poucos artistas escolhidos para expor no terceiro pavilhão. Uma arte da confissão. Os corpos dos artistas – em suas variadas poses - dispostos à nossa posse, ao nosso corpo de voyeurs. “A visão da pintura ocidental” é já reprodução nas paredes da Bienal. Reprodução e trabalho crítico: Fernando Bryce cataloga o desvario do outro. É impressionante. Também impressiona a outra série de quadros quase escondida pela “foule” que forma filas para descer o tobogã de Carsten Holle – o único trabalho realmente bizarro de toda a Bienal – que a excede, corrompendo as paredes do prédio até o lado de fora. Na série de quadros, dispostos em ordem alfabética, os caracteres do romance O estrangeiro, de Camus. Não bastam as reproduções, ainda me vem esta paisagem branca dos quadros de Vibeke Tandberg: ainda é o romance de Camus? Ainda é arte? Meu estômago bebedor amaldiçôa a multidão que mal repara no soco de estômago destes quadros. Amaldiçoa-os a continuarem descendo o tobogã, se isso lhes dá prazer. Talvez por isto o estômago bebedor fugiu das “obras participativas” e se perdeu por mais de uma hora vendo as gravuras de Leya Mira Brander: na convulsão de imagens e frases repetitivas, um mundo de delicadeza. Sentimentos em miniatura. Eu me embrulho toda. Paro. Recomeço. Fecho os olhos. Sinto medo. E uma ternura imensa. Depois tento ler o diário de Sophie Calle. Malditas aulinhas de inglês que me servem malemale. Tento decifrar a sua obsessão autobiográfica que já tinha me fascinado no Museu de Arte Moderna do Pompidou. Por instantes, penduro minha alma no varal. Vem o vento e a leva junto com o varal. Saio correndo enquanto alguém me olha com ternura. Quando foi mesmo? No caminho, encontro o tapete voador, que está lá na Bienal; é só olhar para cima. Por isso, paro. Ardo. Choro. E dou meia volta. Quem for, não esqueça de levar a chave. Qualquer chave. Entre na fila e troque pela da Bienal. Com ela, pode-se entrar a qualquer hora. Mas não acredite simplesmente.
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4 Palavrinhas:

. disse...

passei mesmo pra te deixar um beijo e pra dizer que de tudo que vc me escreveu a reciproca é verdadeira.

Cristina Soares disse...

Por que eu não entendo se vc gostou da bienal ou não ?? deve ser porque sou loura ... ai, amiga, vc escreve muito bem !! e eu leio muit mal kakakaka !! Tu deu um nõ nos meus dois neurônios !!!! Beijoca

Anônimo disse...

Este texto é pura emoção! E nem precisava dizer do estomago todo revirado. Deuvontade de pegar um tapete voador e estar à frente dos brancos que dizem muito! Me deu uma invjea esta sua viagem pelo consciente da arte!!!
(As fotos são um convite à parte.)
Beijo mocinha!

renata penna disse...

hummm...
deu água na boca!